quinta-feira, 31 de julho de 2008

Energia misteriosa faz dez anos sem ganhar explicação

15/06/2008 - 11h43

RAFAEL GARCIAda Folha de S.Paulo

Uma das maiores descobertas da história da astronomia está completando uma década neste ano, mas cientistas não têm muita motivação para comprar um bolo e tornar a data uma comemoração.
Em 1998, dois grupos de pesquisa independentes descobriram que o Universo está se expandido de maneira acelerada --algo que ninguém esperava. Passados dez anos, a força que move esse fenômeno já tem um nome --energia escura--, mas ninguém ainda sabe o que ela é.
"Não estamos mesmo muito mais perto da resposta do que estávamos antes", disse à Folha Robert Kirshner, astrônomo da Universidade Harvard, de Cambridge (EUA). "Mas estamos bem convencidos hoje de que essa coisa existe, e esse sinal não se foi nos últimos anos. Na verdade se tornou melhor, mais evidente."
Kirshner foi um dos astrônomos com papel crucial na descoberta de 1998. Ele inventou uma maneira de analisar a luz de supernovas (explosões de estrelas) em galáxias que se afastam da Terra a alta velocidade para estimar quão distantes elas estão.
Sob liderança de Adam Riess, ex-aluno de Kirshner, astrônomos usaram essa técnica para fazer um grande mapeamento do Universo, mostrando que as galáxias mais distantes estão se afastando cada vez mais rápido.
Os astrônomos demoraram para acreditar no que estavam vendo. Já se sabia desde 1929 que o Universo estava em um movimento de expansão, que tinha iniciado com o impulso do Big Bang, a explosão que o originou. Todos achavam, porém, que a força da gravidade de toda a massa que existe no cosmo acabaria freando esse impulso alguma hora.
"No final de 1997, quando estavam saindo as primeiras análises de Adam Riess, ele me disse "Cuidado aí! Parece que nós estamos obtendo massa negativa". Eu respondi então: "Você deve estar fazendo algo errado. Tem certeza de que não esqueceu de dividir por pi?" Mas não era um erro na fórmula.
Os astrônomos ficaram tão chocados quanto Isaac Newton ficaria ao ver uma maçã caindo para cima. Não é possível perceber a energia escura em pequena escala --maçãs costumam cair para baixo aqui na Terra--, mas na escala cosmológica essa força está agindo contra a gravidade, afastando as galáxias umas das outras.
Problema constante Sem dados experimentais que possam sugerir o que é a energia escura, cientistas voltaram então para a teoria. Algo que poderia explicar a energia escura era um conceito antigo criado por Albert Einstein. Sua teoria da relatividade geral indicava que a gravidade deveria fazer o Universo encolher, mas o grande físico acreditava num cosmo imóvel, parado. Sua solução foi postular uma força repelente para fechar as contas. A essa nova força --uma tentativa de resolver o problema "na marra"-- o físico deu o nome de "constante cosmológica". O que a idéia implicava era um tanto absurdo: o vácuo, ou seja, o nada, conteria energia.
Aparentemente, na década de 1930, Einstein acabou sucumbindo às provas de que o Universo estava mesmo em expansão e se afastou do debate. Após a descoberta da expansão acelerada em 1998, porém, físicos ressuscitaram sua idéia: a energia escura talvez seja a constante cosmológica.
A essas alturas, a energia do vácuo já não era uma idéia tão absurda, e tinha sido até mesmo postulada na forma de "partículas virtuais" pelos físicos quânticos. Com base nisso, então, teóricos calcularam qual seria o valor da constante cosmológica se ela fosse mesmo o impulso do "vazio quântico". Só que a conta não fechou. "A energia escura é ridiculamente pequena, e a energia do vácuo teórica é ridiculamente grande", explica Raul Abramo, físico da USP (Universidade de São Paulo). "Seria como casar uma ameba com uma baleia." Outros teóricos postulam que a energia escura seja uma outra força da natureza, uma espécie de "antigravidade".
Para isso, porém, precisaria haver evidência de que ela varia no espaço e no tempo. Em outras palavras, seria preciso essa energia não ser "constante". Mas até onde a precisão dos telescópios permite ver, ela é.
Para sair da enrascada, físicos esperam agora a chegada de dados de supertelescópios, mas nada garante que imagens mais precisas tragam novas idéias.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Do sono dogmático ao sonho antropológico: Nietzsche

James Ferreira dos Anjos [1]

Resumo:

O presente artigo visa oferecer uma visão de Nietzsche acerca do homem. É apresentada a crítica nietzschiana à moral tradicional e à moral cristã, bem como, o seu perspectivismo antropológico fundado na figura do Super-homem que se contrapõe a valores supra-terrenos.

Palavras-chave: Super-homem, Nietzsche, moral, poder

O homem é parte indissociável do pensamento de Friedrich Nietzsche. Este preocupa-se, em primeiro lugar, com a elevação do homem a um tipo superior, e através de sua filosofia, que se expressa a partir de posições assertivas, exortativas e dinâmicas, pretende realizar uma transmutação de valores com o fim de conseguir estabelecer o Super-homem. E Zaratustra, ao descer a montanha, brada: “Eu vos anuncio o Super-homem” (Nietzsche, 1961, p. 7).

O Super-homem brota do próprio homem. O homem é, assim, um ponto que conduz ao Super-homem: isso é o grande no homem. Entretanto, este está para aquele como o macaco está para o homem. Há, conseqüentemente, uma grande distância entre o homem e o Super-homem.

“Que é o macaco para o homem? Uma irrisão ou uma dolorosa vergonha. Pois é o mesmo que deve ser o homem para o Super-homem: uma irrisão ou uma dolorosa vergonha.

Percorreste o cainho que media do verme ao homem, e ainda em vós resta muito do verme.

Noutro tempo fostes, e ainda hoje o homem é ainda mais macaco do que todos os macacos.

Mesmo o mais sábio de todos vós não passa de uma mistura hibrida de planta e de fantasma.

Acaso vos disse eu que vos torneis planta ou fantasma?” (Id. P. 7-8)

Não podemos aqui reduzir o pensamento de Nietzsche acerca do homem a um pensamento evolucionista, como se ele buscasse apresentar uma nova espécie, literalmente falando, mas o que é proposto, de acordo com o nosso entendimento, é um novo homem que é isento dos defeitos que ele encontrou mesmo nos homens excepcionais da história, mas não inteiramente heterogêneo em relação a estes.

Ainda que sejamos favoráveis à posição de que Nietzsche não se referia a uma nova espécie, quando este se reporta ao Super-homem, estamos, todavia, certos de que o Super-homem de Nietzsche também não encerra em si uma existência real. Antes,

“[...] corresponde verdadeiramente a esse ‘ser das lonjuras’ de que hão de vir a falar Heidegger, Jaspers e Sartre e que, não repousando senão em si, deve escolher-se a si próprio, tendo como única finalidade saltar constantemente para além de si mesmo. O Super-homem é um futuro que nunca se pode alcançar, e, na ruína de todas as verdades e sistemas, a única verdade que subsiste é a que afirma o homem, e por isso o define, como sendo um impulso e um salto para um possível que lhe foge sempre numa fuga eterna” (JOLIVET, 1957, p. 71)

A insatisfação de Nietzsche com o homem do seu tempo era visível. Então, intenta, assim, uma mudança: o homem deve superar-se a si mesmo e senti-se fincado à terra, longe de pensamentos “supra-terrenos”, pois o Super-homem é o sentido da terra e o sentido da existência humana é o Super-homem. E, por conseguinte, Nietzsche (1957, p. 8) apresenta as escadas que conduzem a este ideal.

“O homem é superável. Que fizeste para o superar?

O Super-homem é o sentido da terra. Diga a vossa vontade: seja o Super-homem, o sentido da terra.

Exorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis à terra e a não acreditar naqueles que vos falam de esperanças supra-terrenas”

Pois aqueles que anunciam esperanças supra-terrestres, não são mais que “[...] menosprezadores da vida, moribundos que estão, por sua vez envenenados, seres de quem a terra se encontra fatigada” (Id p. 8)

No dizer de Roberto Machado (2001, p. 46)

“Super-homem é todo aquele que supera as oposições terreno-extraterreno, sensível-espiritual, corpo-alma; é todo aquele que supera a ilusção metafísica do mundo do além e se volta para a terra. Neste sentido, super-homem é superação, ultrapassagem. De quê? Do homem tal como ele foi; do homem do passado e sua crença em Deus. É a superação do homem como “doença de pele da terra” [...] Se quisermos dizer como Deleuze, o Super-homem é um novo modo de pensar, um novo modo de avaliar; uma nova forma de vida; um outro tipo de subjetividade.”

Na esfera existencial não há lugar para Deus e o homem, um existe em detrimento do outro. Portanto, para que o homem seja o sentido do mundo e tenha a importância que lhe é devida, Zaratustra anuncia a morte de Deus e o substitui pelo homem. Agora todos os holofotes estão voltados para o mundo e para o Super-homem, ambos pertencem um ao outro intrinsecamente. A realização humana acontece tão-somente no mundo, tudo o que é celeste é ilusório.

“Noutros tempos, blasfemar contra Deus era a maior das blasfêmias; mas Deus morreu, e com ele morreram tais blasfêmias. Agora, o mais espantoso é blasfemar da terra, e ter em maior conta as entranhas do impenetrável do que o sentido da terra” (Id. P. 8)
Ademais, afirma ainda:

“Noutro tempo, quando se olhava para os mares longínquos, dizia-se: ‘Deus’; mas agora eu vos ensinei a dizer: Super-homem.
Podereis criar um Deus? Pois então não me faleis de deuses! Poderíeis, contudo, criar um Super-homem (Id. P. 68)

A virtude para este homem é o poder. A vida, diz Nietzsche, á vontade de domínio e aqueles que são mais vivos, aqueles que são os melhores da raça humana são aqueles em que há mais forte essa vontade de domínio. Os homens excepcionais, como Hitler, por exemplo, são sinônimos da vontade de domínio, contudo não se igualam ao Super-homem, no qual a vontade de domínio atinge o seu ponto máximo. A luta pelo poder está para ele, assim como a luta pela vida, conforme Darwin, está para as espécies. E ao lado do poder encontra-se a vontade.

Para Nietzsche, onde há a vida, há vontade, e junto à vontade, o poder. A virtude origina-se a partir da vontade de mandar em todas as coisas. O poder é efetivamente um valor, entretanto, ressalta que homens medíocres não têm o direito de dominar indivíduos fortes e dotados de espírito livre, de modo que o simples poder não é o único valor que forjará a criação do Super-homem; pelo contrário, Nietzsche pensa que deve ter poder somente aqueles que possuem certas características que se adaptem a esse poder.

No que se refere à moral, jamais podemos dizer que Nietzsche é amoral, porquanto este tem a sua moral e deseja estabelecê-la. Para tanto, é necessário, antes, romper com a moral tradicional e cristã, ou melhor dizendo, destruí-las, uma vez que ele se considera o destruidor da moral, pois para a criação de novos valores, que é o seu objetivo, é mister a negação total dos de outrora.

A moral cristã, por exemplo, para Nietzsche é o crime contra a vida: ela ensina o desprezo por todos os instintos principais da vida. Ela está renegando a vida até às suas próprias raízes, ela contém, como motivo basilar, uma hostilidade para com a própria vida. Assim,

“O cristianismo é conhecido como a religião da piedade. [...] A humanidade aprendeu a chamar a piedade de virtude, quando em todo o sistema moral superior ela é considerada como uma fraqueza. Do ponto de vista religioso e moral, a piedade toma um aspecto muito menos inocente quando se descobre de que natureza é a tendência que ali se esconde sob palavras sublimes: a tendência hostil à vida.” (NIETIZSCHE, 2001, p. 41-42)

Em sua obra Vontade de domínio: ensaio de uma transmutação dos valores (resultado de uma compilação de sua irmã Elizabeth), Nietizsche delcara que não é nenhum mero niilista ou anarquista na esfera moral, antes, almeja uma nova tábua de valores. A sua insatisfação em relação aos valores não se dá por outro motivo senão pelo fato de que estes têm uma atitude negativista perante a vida, uma vez que, segundo ele, a moral não pode ser um desejo de renegar a vida, pois

“O Super-homem, orgulhoso e livre, alegre e sereno, forte de corpo e alma, é a representação suprema daquele que diz sim à vida, é o verdadeiro Dionísio” (COPLESTRON, 1953, p. 134)

Assim, Nietzsche já não considera o grande dragão: o “Tu deves”, como Deus e Senhor, contrariamente a isso, entende que é capital que este seja esmagado pelo leão, o “Eu quero”. Aqui se vislumbra a expressão da realização de um desejo, é o eu que é mais alto na moral de Nietzsche. Por isso,

“[...] vida é vontade de poder, princípio último de todos os valores; o bem é tudo o que favorece a força vital do homem, é tudo o que intensifica e exalta no homem o sentimento de poder, a vontade de poder e o próprio poder; o mal, tudo o que vem da fraqueza. Daí o anúncio do Super-homem, capaz de quebrar toda tábua de valores, capaz de efetivar a transmutação de todos os valores.” (SOUZA, 1995, p. 184)

De modo que o “Eu quero” mostra-se junto ao “Tu deves” como um santo não. Entretanto, isso ainda não é o bastante, há a necessidade da criança para ressaltar que o espírito agora quer o exercício da sua vontade, a realização dos seus próprios desejos. Ademais, a criança é a inocência, o esquecimento, um novo começar perante a moral de outrora.

REFERÊNCIAS:

COPLESTRON, Frederick. Nietzsche: filósofo da cultura. Porto: Livraria Tavares Martins, 1953.
MACHADO, Roberto Cabral de Melo. Zaratustra: tragédia nietzschiana. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra. 5. ed. São Paulo: Brasil Editora S.A., 1961.
___________________. O Anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2001.
SOUZA, Sonia Maria Ribeirto de. Um outro olhar: filosofia. São Paulo: FTD, 1995.

[1] Bacharel em Filosofia pelo IESMA (2002); Licenciado no Curso Especial de Formação Pedagógica pela FEST (2003); Especializando em Metodologia do Ensino Superior (Fac. Int. de Amparo-SP); Professor de Filosofia e Sociologia do Colégio Dom Bosco em Imperatriz-MA.

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