terça-feira, 19 de agosto de 2008

CARACTERES GERAIS DA FILOSOFIA DA EXISTÊNCIA.

J. M BOCHENSKI - A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA OCIDENTAL
Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. Fonte: Ed. Herder.

VI -FILOSOFIA DA EXISTÊNCIA

"Olhou em torno de si: não viu senão a si mesmo. Começou a gritar; Sou eu!…
Começou a inquietar-se; porque quando se está só começa-se a ter medo".

Brihadaranyaka Upanishad

16. CARACTERES GERAIS DA FILOSOFIA DA EXISTÊNCIA.
A. O QUE A FILOSOFIA DA EXISTÊNCIA NÃO É.
A filosofia da existência passou a ser de moda em vários países, depois da Segunda Guerra Mundial. L’Être et le Néant, a obra tão difícil de Sartre, que supõe profundos conhecimentos da história da filosofia e cujas análises são a tal ponto técnicas e abstratas que geralmente só são acessíveis a filósofos especializados e bem formados, está novamente esgotada, apesar de suas oito edições sucessivas e do número correspondente de exemplares publicados — umas dúzias de milhar. Sem dúvida, os filósofos existencialistas franceses — especialmente Sartre — vieram ao encontro do público com seus romances e peças de teatro. Mas esta popularidade acarretou consigo certos equívocos a propósito do existencialismo filosófico, equívocos que importa começar por dissipar. Por isso, diremos imediatamente, e de uma vez por todas, o que o existencialismo filosófico não é.

É certo que o existencialismo se ocupa de problemas do homem, hoje chamados "existenciais", tais como o sentido da "ida, da morte, da dor, etc, mas o existencialismo não consiste em desenvolver tais problemas, que têm sido discutidos em quase todas as épocas. Seria erro palmar qualificar de existencialistas S. Agostinho ou Pascal ou certos escritores modernos, como o crítico espanhol Miguel de Unamuno (1864–1937), o grande romancista russo Fjedor M. Dostoievski (1821-1881) ou o poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926). Estes escritores e poetas, sem dúvida, debateram e trataram em suas obras de maneira particularmente impressionante diversos problemas humanos, mas nem por isso são filósofos da existência.

Outro erro consiste em chamar existencialistas aos filósofos que estudaram a existência no sentido clássico do vocábulo ou o ser existente. Não faz sentido que muitos tomistas pretendam fazer de S. Tomás de Aquino um existencialista. Não menos grotesco é o equívoco de incorporar Husserl na filosofia da existência, pelo fato de haver exercido grande influência sobre ela; sucede que Husserl colocou entre parêntesis precisamente a existência.

Por último, importa não identificar a filosofia da existência com uma única doutrina existencialista, por exemplo a de Sartre, dado que, como a seguir veremos, há diferenças essenciais entre as diferentes direções.

Em face de todos estes equívocos, tenha-se como ponto assente que a filosofia da existência é uma tendência filosófica que só tomou forma pela primeira vez em nossa época e, ao sumo, remonta a Kierkegaard, tendência que se desenvolveu em direções entre si divergentes, e das quais só o denominador comum pode ser denominado a filosofia da existência.

B. Seus representantes.

Afigura-se-nos ser mais conveniente, no quadro desta exposição, agrupar primeiro os filósofos que podem considerar-se como pertencentes à escola e, em seguida, procurar tirar a limpo aquilo que lhes é comum. São pelo menos quatro os filósofos da atualidade que sem contestação podem ser considerados "existencialistas": Gabriel Marcel, Karl Jaspers, Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre. Todos eles apelam para Kierkegaard, o qual, apesar de muito distanciado no tempo, é geralmente tido como um existencialista hoje muito influente. Afora estes quatro pensadores eminentes, não se encontram muitos outros filósofos da existência propriamente ditos, embora o existencialismo interesse a muitos filósofos e exerça influência sobre eles. Poderíamos citar, entre outros, a colaboradora de Sartre, Simone de Beauvoir, e sobretudo Maurice Merleau-Ponty, um dos pensadores mais eminentes da filosofia francesa atual. Também podem ser aqui mencionados dois pensadores russos, Nicolai Berdiaev (1874-1948) e Leo Chestov (1866-1938), que se tornaram conhecidos por suas obras escritas em francês. Mencionemos ainda o célebre pensador protestante Karl Barth (1886- ), fortemente influenciado por Kierkegaard. Mas comete equívoco quem conta entre os existencialistas a L. Lavelle, que é manifestamente um filósofo do ser. Em nossa exposição circunscrevemo-nos aos quatro primeiros pensadores mencionados; simplesmente, exporemos muito sumariamente a doutrina de G. Marcel, porque sua principal obra filosófica até este momento ainda não veio a lume e de seus restantes escritos é impossível obter uma visão de conjunto do seu pensamento. Como datas principais do existencialismo podem ser fixadas as seguintes: em 1855 morre Kierkegaard; em 1919 publica Karl Jaspers sua Psychologie der Weltanschaungen (Psicologia das mundividências); em 1927 aparecem o Journal métaphysique de Gabriel Marcel e Sein und Zeit de Heidegger; em 1932 vem a público a Philosophie de Jaspers, e em 1913 L’Être et le Néant de Jean-Paul Sartre. Importa ainda assinalar que nos países latinos, especialmente em França e Itália, o existencialismo só alcançou importância nos últimos tempos, ao passo que na Alemanha já exercia sua maior influência por alturas de 1930.

C. As origens.

Já assinalamos a grande importância das obras de Sören Kierkegaard (1813-1855) para o existencialismo. Durante a vida, o filósofo protestante dinamarquês exerceu apenas influência mínima e sua redescoberta do século XX deve-se à relação íntima que une seu pensamento trágico e subjetivo ao espírito de nosso tempo. Marcel desenvolveu suas idéias, afins das de Kierkegaard, num momento em que nem sequer conhecia ainda as obras do dinamarquês. Kierkegaard não construiu um sistema propriamente dito. Investe energicamente contra a filosofia hegeliana por causa de sua "publicidade" e objetividade e nega a possibilidade da conciliação, isto é, a possibilidade de abolir a oposição entre a tese e a antítese numa síntese racional e organizada. Afirma a prioridade da existência sobre a essência e parece ter sido o primeiro que deu à palavra "existência" um sentido existencialista. É antiintelectualista radical: segundo ele, não é possível chegar até Deus pela via intelectual, a fé cristã está repleta de contradições e qualquer tentativa de racionalizá-la representa uma blasfêmia, Kierkegaard une a sua teoria da angústia à teoria da solidão total do homem em face de Deus e do caráter trágico do destino humano. Vê no "instante" uma síntese de tempo e de eternidade.

A par de Kierkegaard, Husserl, com sua fenomenologia, tornou-se muito importante para o existencialismo. Heidegger, Marcel e Sartre aplicam constantemente o método fenomenológico, apesar de não aceitarem as teses nem sequer a posição fundamental de Husserl. De fato, Husserl, que exclui de suas investigações a existência, mantém-se inteiramente à margem do existencialismo.

Também a filosofia da vida influiu fortemente no existencialismo e podemos até asseverar que este a prolongou, desenvolvendo principalmente seu atualismo, suas análises do tempo, sua crítica do racionalismo e freqüentemente até das ciências da natureza. Bergson, Dilthey e principalmente, segundo parece, Nietzsche, podem ser considerados como predecessores do existencialismo.

Enfim, a nova metafísica repercutiu muito fortemente na filosofia da existência. Todos os existencialistas levantam o problema tipicamente metafísico do ser, e alguns deles, como Heidegger, salientam-se por seu profundo conhecimento dos grandes metafísicos da Antigüidade e da Idade Média. No esforço que envidam para chegar ao ser em si, os existencialistas procuram também, via de regra, superar o idealismo. Contudo, alguns dentre eles, nomeadamente Jaspers, são ainda fortemente influenciados pelo idealismo.

Vemos pois que o existencialismo arranca das duas grandes correntes espirituais que provocaram a ruptura com o século XIX, e é, além disso, influenciado por um outro movimento típico do pensamento contemporâneo, a saber, a metafísica.

D. Traços comuns:

a) O traço comum fundamental das diversas filosofias da existência de nossa época reside em que elas procedem todas de uma denominada vivência "existencial", difícil de definir mais de perto e que varia de filósofo para filósofo. Assim, em Jaspers ela parece consistir numa percepção da fragilidade do ser, em Heidegger na experiência da "marcha para a morte", em Sartre numa repugnância ou náusea geral. Os existencialistas não ocultam por forma alguma que a filosofia deles parte de uma vivência desta espécie.
Isso explica que a filosofia existencial apresente em seu conjunto — até mesmo em Heidegger — o cunho de experiência pessoal.

b) O objeto principal da investigação é, para os existencialistas, aquilo que se chama "existência". Mas é difícil determinar o sentido que eles atribuem a este vocábulo. Em todo caso, trata-se da maneira de ser peculiarmente humana. O homem (raramente assim denominado, mas preferentemente designado por "Dasein", "existência", "eu", "ser-para-si") é o único ser que possui a existência. Com maior rigor de expressão, ele não a possui, ele é sua existência. Se tem uma essência, esta essência é sua existência ou resulta de sua existência.

c) A existência é concebida de maneira absolutamente atualista. Ela nunca é, mas cria-se a si mesma em liberdade, devêm. É um esboço, um projeto. A cada instante, ela é mais (e menos) do que é. Os existencialistas reforçam ainda freqüentemente esta tese, afirmando que a existência coincide com a temporalidade.

d) A diferença entre este atualismo e o da filosofia da vida consiste em que os existencialistas consideram o homem como mera subjetividade e não como manifestação de outra corrente vital mais vasta (cósmica), como, por exemplo, sucede com Bergson. Além disso, a subjetividade é, entendida em sentido criador: o homem cria-se livremente a si mesmo, ele é sua liberdade.

e) Não obstante, seria inexato concluir que, para os existencialistas, o homem se encontra fechado em si mesmo. Pelo contrário, enquanto realidade imperfeita e aberta, ele parece estar, por essência, muito Intimamente ligado ao mundo e em particular aos outros homens. Todos os representantes do existencialismo admitem esta dupla dependência, de modo que, por um lado, a existência humana parece estar inserta no mundo, e por isso o homem tem sempre uma situação determinada; mais ainda, é sua situação, e, por outro lado, há um vínculo particular entre os homens; vínculo que, do mesmo modo que a situação, constitui o ser próprio da existência. Este é o sentido da "co-existência" (Mitdaseín) de Heidegger, da "comunicação" (Kommunikation) de Jaspers e do "tu" (toi) de Marcel.

f) Todos os existencialistas rejeitam a distinção entre sujeito e objeto e depreciam assim o conhecimento intelectual no domínio da filosofia. Segundo eles, o verdadeiro conhecimento não se adquire pela inteligência, mas é mister que a realidade seja vivida. Esta vivência dá-se principalmente mediante a angústia, pela qual o homem se torna cônscio de sua finitude e da fragilidade de sua posição no mundo, no qual foi jogado, destinado à morte (Heidegger).

A par destes traços fundamentais comuns ao existencialismo, aos quais poderíamos ainda acrescentar outros, existem igualmente profundas diferenças entre seus representantes tomados isoladamente. Assim, por exemplo, tanto Marcel como Kierkegaard são decididamente teístas, ao passo que Jaspers admite uma transcendência, que não sabemos se deve ser entendida como teísmo, panteísmo ou ateísmo, todos os três igualmente rejeitados por Jaspers.

A filosofia de Heidegger parece ser ateia; no entanto, segundo a declaração expressa, sem dúvida, de alcance limitado, do autor, não o seria. Por último, Sartre tenta elaborar um ateísmo franco e conseqüente.

Diferem igualmente muito entre si o fim e o método das várias filosofias da existência. Heidegger pretende brindar–nos com uma ontologia em sentido aristotélico e aplica um método rigoroso, como o faz Sartre, inspirando-se nele. Jaspers rejeita toda ontologia no domínio da demonstração da existência, mas também faz metafísica e emprega um método menos exigente.

2 comentários:

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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