segunda-feira, 21 de abril de 2008

A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE O NADA E ANGÚSTIA, SEGUNDO JEAN PAUL SARTRE.

Autora: Maria Regina Ponte da Silva[1]

Este artigo faz parte de um dos capítulos da dissertação do mestrado Acadêmico em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará apresentado para obtenção do título de mestre em Filosofia.


RESUMO

Nos momentos de crise existencial o homem pára, percebe que existe algo errado e passa a questionar suas limitações, consequentemente, ele é tomado pela consciência do Nada. O sentimento de angústia reporta a realidade de um ser inacabado, autor de sua vida, embora seja incapaz de construí-la com perfeição. O Nada é o oposto da plenitude do Ser, farol que indica a distância entre onde nos encontramos e onde gostaríamos de estar. Desta forma, a consciência aponta e define o homem como Nada em relação aos seus projetos e seu futuro, reclama insatisfação com o presente que vive e aspira o futuro que não tem, definindo-se e situando-se simplesmente como Nada que é e como Ser que gostaria de ser, mas ainda não é.

PALAVRAS-CHAVE: Intersubjetividade, angústia, medo, nada, liberdade, ser, ontologia.


A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE O NADA E ANGÚSTIA, SEGUNDO JEAN PAUL SARTRE.

O Nada na fenomenologia situa-se como dimensão referencial da situação de incompletude humana. É a fuga do Nada, do vazio que me impulsiona a fugir dele, que me projeta para a construção de atitudes no eterno movimento transcendente. Quando o homem aciona sua consciência interrogante esta se depara com o Nada, como pressuposto de seu projeto de ser. Se o homem é um ser limitado, se ele não encontra o seu porto seguro, isso se deve ao fato dele ser o oposto da plenitude do ser, se quiser sabermos quem é o homem, basta verificar esse ser que não o-é.

O ser não é recebido de fora, não se conserva por inércia, mas constrói-se a cada dia. Em verdade, Sartre pretende dissociar o discurso ideológico, funcional e interveniente nos planos da cultura contemporânea, para fundamentar a ontologia, desenvolvendo uma verdadeira “ontologia fenomenológica”. Para descrever esse arsenal teórico, nosso filósofo escreveu dentre outras obras o ensaio O Ser e o Nada. O foco principal desta obra é a questão do ser que reclama a constante transcendência em forma de consciência desejante e intencional (Para-si) ou seja, o homem enquanto se faz carência de ser um ser completo e satisfeito (Em-si).

O desvelamento do Nada encontra-se na intencionalidade da consciência, ela quer ser consciência de algo, e não consciência de nada. É por isso que a consciência pergunta e avalia. A atitude interrogativa da consciência coincide, de início, com o comportamento voltado para o não ser. Esse não ser traz o Nada através de processos interrogativos e negativos, já que o nada deriva da negação do ser. Conforme Sartre:

“Mas essa negação, vista de mais perto, remeteu-nos ao Nada como sua origem e fundamento: para que haja negação no mundo e, por conseguinte, possamos interrogar sobre o Ser, é necessário que o Nada se dê de alguma maneira[2].”

O não ser é a distância que define o conceito do Nada. O homem é, primeiramente, o Nada sentido por sua consciência, através da atitude interrogativa. Em seguida, a consciência reage intencionalmente em busca de ser o que ainda não é, realizando o movimento transcendental. Desta forma, a consciência se exterioriza em direção ao mundo. Ou seja, o Nada consiste no primeiro passo da identificação do homem que o direciona a fazer-se ao invés de ser. Onde a consciência começa, localiza-se o território do Nada, enquanto o homem não é, ou procura ser o que não é, na construção de sua própria essência. Com efeito, a existência precede a essência. Primeiro o homem existe como nada, posteriormente constrói passo a passo o esboço de sua vida, definindo a sua essência. Diferente da dimensão de vazio psicológico ou grau zero, essa fissura que é o Nada aparece como um ser que se dirige para frente, com um olhar investigador em direção ao futuro e concebe-se ontologicamente precedido pelo ser, porque ele não pode ser concebido fora do ser, mas está contido no mais íntimo do ser. “O nada não pode nadificar-se a não ser sobre o fundo de ser: se o Nada pode existir, não é antes ou depois do ser, nem de modo geral, fora do ser, mas no bojo do ser, em seu coração, como um verme”[3]. É por isso que a consciência pode determinar onde começa e onde termina a coisa de que ela é consciente.

Onde está o nada? Quem o faz surgir? Se o homem afeta-se a si mesmo de não-ser e é capaz de interrogar sobre o ser, isso é, pois, por definição, um processo humano. “Logo, o homem apresenta-se, ao menos neste caso, como um ser que faz surgir o Nada no mundo, na medida em que, com esse fim, afeta-se a si mesmo de não-ser.”[4]

Utilizando-se de conceitos abstratos, circunscreve-se o seguinte questionamento: o Nada é uma estrutura do real ou trata-se de uma recolocação metafísca?[5] Ele não é metafísico e sim subjetivo. A descrição das condutas humanas em Sartre revela o aparecimento do não ser, na sua origem e negação.

Sartre mostra como o juízo “Pedro não está aí” se assenta sobre a intuição do Nada, pois ele está ausente. Na ação de procurá-lo nadifico todo o resto como fundo ou como realidade percebida que não é Pedro, assim como a observar sua ausência nadifico a imagem de Pedro. Eis o não ser no mundo: a ausência como um “evento real”, e o negativo poderá se deduzir em toda a conduta humana.

Por isso, Sartre avalia a relação existente entre a ausência de alguém e o Nada.[6] Primeiramente, é preciso entender que a presença confere uma espécie de conexão entre as realidades humanas e é o fundamental pressuposto do caráter de ausência. Portanto, ausência é a necessidade da presença. “Estar ausente, para Pedro em relação a Tereza, é um modo particular de estar-lhe presente”[7]. Isso demonstra que o ser não está localizado em relação às distâncias longitudinais ou latitudinais, mas em qualquer movimento que eu faça sempre estarei delimitando minhas distâncias em relação ao outro-objeto. O outro sempre estará presente, declarando minha contingência objetal[8]. O que acontece quando a consciência capta a ausência? Posso sentir o outro através de minha consciência sem que, com efeito, ele esteja presente em forma de existência corpórea.

Uma das noções mais ricas do nada é a ausência. Vejamos um exemplo que Sartre resgata dos eventos comuns[9]. Eu tenho um encontro com Pedro no café às quatro. Eu chego à entrevista marcada com atraso de quinze minutos e Pedro, sempre muito pontual, não está lá. Terá esperado? “Há uma intuição da ausência de Pedro(…) e a ausência de Pedro é esse Nada”[10]. O bar com seus clientes, suas mesas, seus copos, sua atmosfera iluminada e esfumaçada, os ruídos e vozes, os passos constituem a plenitude de ser. A presença real de Pedro em um lugar desconhecido é também plenitude de ser. Mas o meu objetivo no bar é encontrar Pedro e todos os outros objetos assumem uma organização sintética de fundo sobre os quais Pedro deve aparecer. Essa organização do bar em fundo é uma primeira nadificação. Cada elemento inerente, pessoa, mesa, cadeira, tenta isolar-se na minha consciência sobre o fundo que constitui a totalidade dos outros objetos, e recai na indiferenciação desse fundo, diluindo-se nele. O fundo é objeto de uma atenção puramente marginal. Essa primeira nadificação de todas as formas que aparece como fundo é a condição necessária para a aparição de Pedro. Sou responsável pelo contínuo e sucessivo desvanecimento de todos os objetos do bar, em particular desse rostos que por um instante me retêm (“Será Pedro?”) e que se desvanecem em uma palavra “não”. Isso significa que Pedro está ausente em todo o bar na sua evanescência. O bar mantém-se como fundo. É Pedro que se destaca como nada sobre o fundo da nadificação do bar. Eu espero para ver Pedro e a ausência se apresenta como um evento real, uma relação primeira entre mim e o bar. Entre mim, Pedro e o bar, há uma relação com o ser, sem o qual a constituição da ausência é impossível. Por exemplo, quando observo “Wellington não está no bar” esta ausência não implica nadificação. Por que a falta de Pedro provoca nadificação e a de Wellington não? A partir do momento em que o encontro é acordado entre mim e Pedro, minha consciência se faz como espera. Essa consciência de espera só encontrará o seu pleno contentamento quando encontrar com Pedro às quatro horas. A espera é a tentativa de um equilíbrio entre a certeza absoluta de um lado e a total falta de certeza de outro. Se afirmo Pedro não vem, eis a morte da esperança. Essa consciência de crença é provisória e mantém seu prazo delimitado. Ela se prolonga na ausência se Pedro não está e não vem e na substituição se Pedro cumprir a promessa. Eis que Pedro não vem, agora a consciência da ausência interroga cada objeto do bar sobre a presença de Pedro e se estende no fundo, escapa a atenção dos outros para Pedro aparecer magicamente. E a consciência de crença conserva o Nada em regime de espera. As coisas parecem zombar da consciência enganada que substitui a consciência de espera. Eis como sou sem Pedro, pois antes de tudo Pedro ocupava o lugar principal. A ausência é uma maneira de substituir o presente. Essa fertilidade do conceito do nada apresenta-se como a dialética da presença e da ausência. E o ser esperado habita na consciência como lembrança.[11]

Para Sartre, o homem é um ser-no-mundo, considerado não de forma estática, mas pleno movimento em constante ascensão; primeiramente é apenas Nada e constitui sua formação diante desse nada que é, porque a priori ele é um ser indeterminado e por isso vive insaciavelmente à procura de sentido, valorizando cada experiência na edificação de sua vida. O Nada coloca o ser e a consciência em questão. E a realidade humana é contornada pela forma como o Nada aparece no mundo: a própria falta. O Nada é o fanal que está à frente, acenando a todos. Por ser vazio, ausência, indefinição, ele suscita em nós um misto de terror e desespero pelo mistério que encerra e pela possibilidade que temos de enfrentá-lo.[12] Com efeito, há um desejo de deixar de ser um nada. Esse desejo encontra-se inserido no ser da realidade humana, devido à sua incompletude e indeterminação. Conforme Sartre:

“A realidade humana é sofredora em seu ser, porque surge no ser como perpetuamente impregnada por uma totalidade que ela é, sem poder sê-la, já que, precisamente, não poderia alcançar o Em-si sem perder-se como Para-si.[13]”

É através dessa nadificação que o Para-si surge com o ímpeto de se tornar um Em-si. Esse é o fundamento do Para-si na perseguição do ser que ainda não é, de tal modo que o Para-si tenta realizar um Em-si, já que o ser é um ser-Em-si. Entretanto, o ser-Em-si e o ser-Para-si são incompatíveis (…)É impossível a síntese do Para-si com o Em-si [14]. Então o que somos? Uma infinidade de possibilidades, porque o sentido do Para-si é complexo e não pode ser contido em fórmula. Daí a angústia, na medida em que não sou suficientemente preparado para esse futuro que tenho-de-ser, restando-me apenas este ser de sentimentos em conflito.

Com efeito, esta é a característica da realidade humana[15]. Porém, esse desejo pode alterar-se e tornar-se frustração porque a condição de plenitude absoluta é inatingível. “Um nada que me isola, impede-me de sê-la, permite-me apenas julgar sê-la ou imaginar que a sou”[16]. Enquanto o ser-Em-si é o próprio ser farto de si, encerrado em sua plenitude e positividade, o Para-si é marcado pela negatividade do ainda não ser. Ele é o extremo desejo do Em-si porque ele ainda não é, ele é o Nada, querendo ser pleno e satisfeito. “Mas a consciência não se transcende rumo à sua nadificação, não almeja perder-se no Em-si da identidade no limite de seu transcender. É o Para-si enquanto tal que o Para-si reivindica o ser-Em-si”[17] .

A procura pelo sentido das coisas e da vida se efetiva em nosso âmago porque somos um ser-Para-si[18], ser que questiona, que indaga, que se impressiona com a realidade e com nossa subjetividade. O ser-Para-si é insatisfeito porque quer ultrapassar suas próprias fronteiras. Ele é algo que constrói a si mesmo. Atividade, indeterminação e incompletude definem nossa própria liberdade. Desta forma, o desejo de ser é alimentado por aquilo que é um Nada. “A realidade humana é, antes de tudo, seu próprio nada.”[19]. É por isso que o homem precisa do outro como o nada que cria condições para tornar-se livre, portanto, é carência, ausência e vazio.[20]

O Para-si nada mais é do que a pura relação com o Em-si. Enquanto o Em-si é plenitude absoluta, o Para-si é finitude, uma realidade humana que existe essencialmente como carência, desde a origem ligada ao que lhe falta por um nada.

Sartre denomina de ‘Circuito da ipseidade’ a relação do Para-si com o possível que ele é, é o movimento do Para-si em busca de sua transcendência, na medida em que o objetivo do homem é a própria projeção ao querer ser, em busca de uma unificação do Para-si com o Em-si, essa é a verdadeira natureza do Ego, da realidade humana. É desta forma que o homem percebe que é livre para escolher o projeto de sua vida.

Com efeito, o homem tenta segregar o nada, através de atitudes representativas como na má-fé (a suposta seriedade, a dissimulação), ou com outras posturas como a liberdade. Quando o homem se coloca fora do ser, à distância, constituindo-se como ser consciente em relação ao seu passado e se separando dele por um nada, tal procedimento é chamado por Sartre de liberdade. “A liberdade é o ser humano colocando seu passado fora do circuito e segregando seu próprio nada.”[21] Mas a liberdade sartriana não é dada como uma faculdade da alma concedida por uma subjetividade inata a ser descrita isoladamente. A liberdade não está inserida como propriedade da essência humana, mas é através dela que a essência humana se torna possível. Por isso, a liberdade não pode se diferenciar do ser da realidade humana. “A liberdade humana precede a essência do homem e torna-a possível: a essência do ser humano acha-se em suspenso na liberdade. Logo, aquilo que chamamos de liberdade não pode se diferenciar do ser da ‘realidade humana’.”[22]

Desta forma, o existir permanece eternamente no constante jogo que se submete o ser-Para-si, na fuga do Nada, coloca-se na projeçao de um alcance inatingivel do ser-Em-si.

Autora

Maria Regina Ponte da Silva

Graduada em Filosofia – UECE - 2001

Mestre em Ética - UECE – 2003

Dissertação: O Outro em O Ser e o Nada de Jean-Paul Sartre

Professora universitária – IESC, UVA, FAECE, FAFOR, UNICE.

Professora de Filosofia do Colégio Militar de Fortaleza.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. Pró-reitoria de pós-graduação e pesquisa. Normas para organização, redação e apresentação de trabalhos científicos

[1] Prof. Ms em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará.

Atualmente ensina Filosofia nas Faculdades Particulares. (FAECE e FATECI)

[2] SARTRE, 2002: 64

[3] SARTRE, 2002: 64

[4] Idem, 66

[5] SARTRE, 2002: 47

[6] SARTRE, Jean Paul. O Ser e o Nada, p. 356

[7] Idem, 357

[8] Para ficar mais visível Sartre escreve em seus romances a descrição dos efeitos da ausência enquanto sentimento de presença imaginaria. “É isso que me espera? Pela primeira vez incomodava estar só. Gostaria de falar com alguém sobre o que está me acontecendo, antes que seja tarde demais.”A náusea, p. 24 ou ainda “Queria desviar meu pensamento de Anny, porque à força de imaginar seu corpo e seu rosto, caíra num extremo nervosismo: minhas mãos tremiam e arrepios gelados percorriam meu corpo. (SARTRE, Jean Paul. A náusea, p. 226)

[9] Cf. SARTRE, 2002: 50-51

[10] Idem, p. 50

[11] Cf. TROGO, Sebastião. Kriterion, Revista de filosofia: Le Problème d’Autrui,UFMG, n° 72, 1984 p. 85

[12] “O nada é algo como uma secreção do homem possibilitada pela consciência. O paradoxo da realidade humana lhe advém dessa singular unidade entre o ser e o nada; o homem é ser habitado pelo seu próprio nada, e que permanece em sua negatividade” BORNHEIM, 1971: 44

[13] SARTRE, 2002: 141

[14] SARTRE, 2002: 140-141

[15] O homem, como concebe Sartre, primeiramente não é nada, mas encontra-se lançado no meio do mundo. A realidade primeira é a sua existência, situação fática que ele descobre e assume conscientemente. Por isso, o existencialismo prega que “a existência precede a essência”, entretanto antes do homem estabelecer-se, ele surge, e descobre-se no mundo onde está inserido, ou seja, ele existe para definir-se. Com efeito, a essência do homem não é inata e sim algo que se estabelece a partir de sua existência.

[16] SARTRE: 2002: 107

[17] Idem, p. 140

[18] O para-si fundamenta-se a si como falta de ser: está determinado no seu ser por um ser que ainda não é. (JOLIVET. As doutrinas existencialistas, p. 204)

[19] SARTRE, 2002: 139

[20] A realidade humana não existe, portanto, senão como carência, não começa primeiro a existir para depois vir a ser falha disto ou daquilo; é essencialmente carência e, desde a origem, encontra-se sinteticamente ligada com o que lhe falta. (JOLIVET. As doutrinas esxistencialistas, p. 205)

[21] SARTRE, 2002: 72

[22] SARTRE, 2002: 68

terça-feira, 1 de abril de 2008

A Bioética é um grito por dignidade humana

ENTREVISTAS
A Bioética é um grito por dignidade humana

Para o Padre Léo, existem assuntos dos quais os bioeticistas não deveriam se dividir. Veja quais são eles.

O teólogo, filósofo e padre Leocir Pessini (ou, como é mais conhecido, padre Léo Pessini) é um dos bioeticistas brasileiros mais conhecidos e respeitados, além de nome sempre lembrado pelos jornalistas, por ocasião de entrevistas sobre um tema delicado: a distanásia (termo que, segundo dicionário Aurélio, corresponde à morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento). Neste assunto, a propósito, tornou-se uma espécie de referência mesmo antes de publicar o livro Distanásia, até quando prolongar à vida, no ano de 2001.

Aliás, a intimidade com o tema vem de longe, 1982– época em que começou a atuar como capelão no Hospital das Clínicas de São Paulo, atividade que exerceu durante 13 anos – “quando viveu e conviveu com as questões humanas desde o nascer até o morrer”, buscando sempre formas de “ajudar concretamente” as pessoas envolvidas no contexto de final de vida.

Além deste assunto, transita por vários outros no universo da Bioética, se demonstrando sempre aberto ao diálogo: tanto que, no VII Congresso Brasileiro de Bioética, realizado em São Paulo, atuou como moderador da conferência Cidadania no Século XXI, proferida pela professora espanhola Adela Cortina, e da mesa redonda Fundamentalismo em Bioética – uma das mais aguardadas do encontro –, ao lado do também espanhol Diego Gracia e do brasileiro Marco Segre.

Logo após esta participação, o Padre Léo gentilmente concordou em conceder entrevista exclusiva ao site do Centro de Bioética do Cremesp. A íntegra pode ser conferida a seguir:

Centro de Bioética – Sua carreira religiosa se iniciou antes da Bioética ou foi o contrário?

Padre Léo Pessini – A Bioética chegou à minha vida a partir do trabalho de acompanhamento pastoral, psicológico e espiritual, junto a pacientes, familiares e profissionais, como capelão do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Prestei este tipo de apoio por 13 anos, convivendo com as questões humanas desde o nascer até o morrer.

Nesta época, era recém-formado em filosofia e teologia, e acabei fazendo, como pós-graduação, Counseling em Bioética nos EUA, mas precisamente em Milwaukee (WI), já que, quando eu entrei em contato com o drama humano, minha filosofia e a minha teologia ficaram “na saudade”: queria encontrar uma forma de ajudar concretamente as pessoas envolvidas em processos de final de vida.

Apelei à psicologia e à Bioética, além da espiritualidade e da racionalidade, para achar ferramentas capazes de me orientar.

Cbio – Em seus livros e artigos, o senhor constantemente aborda a distanásia, ortotanásia, enfim, temas de final de vida. Por que estes assuntos sempre exerceram atração?

Padre Léo – Porque, em meu trabalho, as questões mais angustiantes estavam ligadas ao pronto-socorro; à UTI; ao velório; ao pós-morte... O final da vida humana se apresentava como um mistério, um grande desafio, o que me obrigou a buscar as razões da minha esperança.

Por conta disso, acabei produzindo textos sobre a dignidade humana nos limites da vida, em que reflito a respeito de tais questões “de fronteira”, como as que se referem a distanásia, prolongamento indevido do morrer.

Sabemos que pessoas, muitas vezes, optam por desistir de viver, mas creio que não devamos nem abreviar a vida, nem prolongar e, sim, humanizar e cuidar.

Cbio – Os católicos entendem a morte de maneira equivocada? Há os que defendem a manutenção da vida em qualquer circunstância, custe o que custar...

Padre Léo – Sim, há interpretação errada a respeito do momento da morte. Trata-se de uma mentalidade vinda do que poderíamos chamar de um “catolicismo conservador institucionalizado” historicamente, que não corresponde à essência da mensagem cristã.

Não nascemos e vivemos para sofrer e, sim, para amarmos e sermos felizes. Essa é a essência da “boa nova” do Evangelho.

No Ocidente, o medo da morte foi incentivado pela disseminação do pensamento que entende o momento do morrer como aquele em que você se encontra com Deus, um juiz extremamente severo que pretende julgar você a partir das suas dívidas e faltas, e não a partir do amor que você espalhou e da obra que realizou.

A partir do momento em que substituirmos esse Deus policial e castigador por outro mais amigo e amoroso, o medo tende a desaparecer. Conviveremos com a morte com maior conforto e serenidade – e não com tanta angústia.

A hora da despedida é única na vida de cada pessoa. Aqui, os valores e a fé são fundamentais para dar um sentido à nossa existência: nos levam a crer que a vida não acaba, proporcionam uma dimensão de realização plena e total no céu, junto de Deus.

Por mais avanço tecno-científico que tivermos pela frente, este jamais conseguirá dar sentido à vida humana. O campo da ciência é descrever, classificar e interpretar fatos e fenômenos da natureza, mas não é tarefa dela por exemplo “dar as razões de nossa Esperança”. Aqui entramos no campo dos valores humanos, âmbito da ética, Bioética e do mundo das religiões.

Cbio – Médicos cristãos podem ficar em dúvida de que se, ao deixarem de investir em tratamentos a um determinado doente, estariam contrariando as leis divinas.

Padre Léo – Cabe ao profissional médico se ater aos dados científicos. São a razão e o conhecimento técno-científico que o orientarão se deverá deixar de insistir em um tratamento, naquele momento histórico e circunstância particular. Enfim, o julgamento de intervir ou não deveria se basear, acima de tudo, em diagnóstico e prognóstico.

Cbio – Mas os Católicos falam em milagre...

Padre Léo – Ninguém está proibido de esperar milagres. Só que os milagres são lá, com Deus, não com a gente. Sempre digo que a verdade dos fatos é muito importante: o profissional médico deveria levá-la sempre em conta, em vez de ampliar a área da ilusão, da recuperação impossível, do milagre – quando os fatos mostram o contrário.

Não posso alimentar a ilusão, da mesma forma que também não posso acabar com a esperança do doente e de seus familiares. Mantemos a esperança das pessoas, por exemplo, quando permanecemos ao lado delas momento da dor e da perda.

Neste sentido, sinceramente gostaria de ver mais médicos e profissionais da saúde nos velórios, junto com os familiares. Em geral, os profissionais cuidam dos seus pacientes durante três, quatro meses, e, de repente, acabam com o vínculo justamente nos momentos em que os familiares mais necessitam, que são o da dor e o da morte.

E por quê? Por conta do sentimento do fracasso, do “não ter conseguido curar”, que é desnecessário: não somos Deuses.

Cbio – Os médicos poderiam argumentar que é humanamente difícil encarar os familiares, admitir que perderam a “guerra” contra a morte.

Padre Léo – Claro. É difícil enfrentar o sentimento da perda, do fracasso, do “eu fui o profissional encarregado da cura e aconteceu a morte”. Mas veja bem, trata-se de uma contingência de ofício: assim como se cobra do médico a cura, do padre se espera o milagre.

Quantas vezes nos dizem: “padre, rezei tanto, mas Deus se esqueceu de mim... Não acredito mais nesse Deus”. Só que eu me controlo e não abandono a pessoa na hora em que precisa desabafar, falar alto. O mundo está sendo muito duro com ela naquela fase! Quando chegam as perdas, a solidariedade e a compaixão são as maiores fontes de esperança.

Cbio – Mudando de assunto, na mesa redonda sobre Fundamentalismo em Bioética, o senhor mencionou algo como “a dignidade humana não vem de Deus, é um atributo construído”. A dignidade não é um valor inerente ao ser humano?

Padre Léo – Não foi bem isso o que eu quis dizer e, sim, que o conceito de dignidade humana, ao longo da história, foi construído de forma muito sofrida. Trata-se de uma conquista humana.

Creio, sim, que a dignidade seja inerente ao ser humano, pelo simples fato de o ser humano ser “ser humano”, ser “pessoa”. Não é atributo acidental, vindo de fora para dentro.

As religiões são fonte de afirmação da dignidade humana. A tradição judaico-cristã, por exemplo, nos diz que a fonte desta dignidade deve-se ao fato de sermos “imagem e semelhança de Deus”. Não é lindo isto?

Cbio – É exatamente o contrário do que a bioeticista americana Ruth Macklin afirmou, em 2003, em editorial do British Medical Journal. Segundo ela, “a dignidade é um conceito inútil”.

Padre Léo – Eu não jogaria no lixo um conceito que a humanidade levou séculos para construir e reconhecer, como fez esta bioeticista. Sim, a dignidade precisa ser reconhecida, mas é intrínseca ao ser humano. Não a perdemos pelo fato de, por exemplo, nos tornarmos indivíduos com deficiência.

Quanto mais eu envelheço, mais perco meus movimentos, talvez minha consciência. Por isso, viro um indigno?

Hoje, a ideologia comum vincula a dignidade ao conceito de qualidade da vida – que, no fim, é um conceito seletivo que privilegia os mais fortes; os mais novos; os mais hábeis, colocando na marginalidade justamente aqueles que mais carecem de cuidados. No fundo, isso é uma enorme injustiça.

Cbio – Há correntes de bioeticistas, como a de utilitaristas, que consideram as questões da vida e da dignidade humana como relativas.

Padre Léo – Pois é... Tenho muitos amigos utilitaristas, mas fico curioso em saber o que um utilitarista faria com a mãe dele de 85 anos, em coma, que deixou expressado o desejo de permanecer viva....

Não acho que o que define a vida seja o utilitarismo, nem mesmo a autonomia. É a solidariedade. Brigo muito por isso, considero o cuidado como algo muito mais básico e fundamental, por nos possibilitar condições de existência. Como fomos cuidados para nascer, precisamos também de cuidados ao nos despedir da vida

Cbio – Em uma de suas explanações aqui no Congresso, o senhor disse que “existem questões nas quais os bioeticistas não deveriam se dividir”. Não é justamente a multiplicidade de opiniões que caracteriza o pensamento bioético?

Padre Léo – Chamei a atenção para a questão da responsabilidade do profissional da ética.

Em primeiro lugar, não pode alimentar o fundamentalismo. Veja bem, embora contemos com salutares diversidades de pensamento; de valores; de visões, não podemos chegar divididos ou isolados em certas questões urgentes. Por exemplo, quando se trata dos dilemas vinculados à vida humana; aos direitos humanos; à dignidade dos mais vulnerabilizados, precisamos caminhar para a mesma direção.

A diversidade de valores é salutar. Diversidade de valores que não afirma a vida, os direitos humanos e a dignidade humana, facilmente tem um ingrediente fundamentalista que deve ser combatido. Como poderíamos conviver sendo não apenas “estranhos morais” na expressão de Engelhardt, mas “inimigos mortais”?

Cbio – Então foi isso que o senhor quis dizer ao afirmar “que a bioética é a vacina contra o fundamentalismo”.

Padre Léo – Sim, essa Bioética que apregoa uma visão crítica de valores.

Defino a essência da Bioética como um grito por dignidade de vida, que sempre vai se pautar por dois valores: de um lado está a ousadia do conhecimento científico, que inova, que transforma, que aperfeiçoa, que transforma a vida em mais bela, mais saudável, menos enferma e menos sofrida. Do outro lado fica a prudência de fazer com que a mesma vida não seja manipulada, não seja descartada, nem “cobaizada”.

Uma Bioética capaz de implementar diálogo, uma sabedoria capaz de proporcionar o equilíbrio entre prudência e a ousadia.

Mais ensinamentos do Padre Léo:

Sobre final de vida

- Quanto mais de ponta for a instituição de saúde, tanto mais possível e sofisticada pode ser a distanásia (no artigo “Distanásia: Até quando investir sem agredir?”)

- O conhecimento biológico e as destrezas tecnológicas serviram para tornar nosso morrer mais problemático; difícil de prever, mais ainda de lidar, fonte de complicados dilemas éticos e escolhas dificílimas, geradoras de angústia, ambivalência e incertezas (no artigo “Distanásia: Até quando investir sem agredir?”)

- Se o objetivo primeiro da Medicina é a preservação da saúde, a morte deveria ser entendida e esperada como último resultado deste esforço, implícito e inerente desde o começo (no artigo “Distanásia: Até quando investir sem agredir?”)

Sofrimento

- Passamos por uma profunda crise de humanismo. Falamos insistentemente de ambientes desumanizados, tecnicamente perfeitos, mas sem alma e ternura humana. (no artigo Humanização da Dor e Sofrimento Humanos no Contexto Hospitalar)

- A pessoa humana vulnerabilizada pela doença deixou de ser o centro das atenções e passou a ser instrumentalizada, em função de determinado fim, podendo ser transformada em objeto de aprendizado, o status do pesquisador, ou ser cobaia de pesquisa, só para citar algumas situações (...) (no artigo Humanização da Dor e Sofrimento Humanos no Contexto Hospitalar)

- Nem sempre quem está sentindo dor está sofrendo. O sofrimento é uma questão subjetiva e está mais ligado aos valores da pessoa (no artigo Humanização da Dor e Sofrimento Humanos no Contexto Hospitalar)

Bioética

- Definiria a Bioética como um grito, um brado forte pela dignidade humana e por mais qualidade de vida, desde o nível individual, pessoal ou até ao nível social, coletivo em todos os âmbitos da vida (em entrevista ao site Revelação on Line, da Universidade de Uberaba/Uniube)

Manipulação de embriões

- (...) Na questão do embrião humano frisamos: não é “coisa” (...) A gente tem que evitar justamente que, de repente, se caia numa situação em que as coisas acabam sendo sacralizadas e as vidas coisificadas (em entrevista ao site Revelação on Line, da Universidade de Uberaba/Uniube)

* O Padre Leocir Pessini é superintendente da União Social Camiliana e vice-reitor do Centro Universitário São Camilo. É professor doutor em Teologia Moral, pós-graduado em Clínica Pastoral Education and Bioethics pelo ST. Luke’s Medical Center, em Milwaukee (EUA). Autor de vários livros, como “Distanásia, até quando prolongar a vida?” e “Problemas atuais de Bioética”, (com o padre Christian de Paul de Barchifontaine), ambos publicados pela Ed. Loyola e Centro Universitário São Camilo, além de artigos, como A eutanásia na visão das grandes religiões mundiais e Bioethics Power and Injustice: Some Personal Thoughts from a Latin American Perspective

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